sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

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O AQUECIMENTO GLOBAL E O FUTURO DA REGIÃO DE CHAMPAGNE

 

As mudanças climáticas pelas quais o mundo vem passando afetam de forma decisiva o estilo dos vinhos das várias regiões produtoras do planeta. Climatologistas e especialistas em meio ambiente são unânimes ao afirmar que nosso planeta vai se tornar cada vez mais quente. Esse aquecimento global é conseqüência da amplificação do efeito estufa e da intensificação dos efeitos da radiação solar devido à deterioração da camada de ozônio que encobre e protege a Terra.
Tais mudanças devem alterar dramaticamente a características dos vinhos nos próximos anos. Essa é uma das conclusões às quais chegaram vários estudiosos reunidos na Universidade da Borgonha, em Dijon, em março de 2007, no simpósio denominado “Réchauffement climatique, quels impacts problables sur les vignobles”.
Desertificação de amplas regiões do planeta, como o continente africano, por exemplo, e os conseqüentes problemas migratórios; degelo das regiões polares e aumento do nível das marés, etc., são inúmeras as conseqüências nefastas para a vida animal e humana na Terra.
No que diz respeito ao vinho, é preciso pesar os prós e os contras para avaliar se as mudanças serão ou não maléficas, porém podemos ter como certo que as mudanças climáticas pelas quais o mundo vem passando (e ainda passará) acarretarão mudanças radicais no estilo de nossos vinhos. Para regiões muito frias como o sul da Inglaterra (que vem retomando a produção vinícola) e outras regiões mais setentrionais da Europa, as condições para o plantio da videira sem dúvida melhorarão. Já as zonas mais quentes sofrerão conseqüências negativas. O aumento das pragas devido ao aumento das temperaturas é uma delas.
Outra é o crescimento da irrigação dos vinhedos devido às secas, prática que sem dúvida crescerá, abrangendo mesmo regiões européias na qual ela não é permitida ou então restringida. A canícula que assolou a Europa em 2003, com suas temperaturas senegalesas, poderá se repetir mais freqüentemente. Ela foi positiva para as regiões do norte, mas problemática para as regiões meridionais.
Devido ao problema, a irrigação já se tornou oficial na França. Um decreto datado de 6 de dezembro de 2006 e publicado em fevereiro de 2007 permite a irrigação durante o alto verão, entre 15 de junho e 15 de agosto, embora a irrigação durante todo o ano ainda seja proibida. Métodos de plantio também poderão ser modificados. O especialista em vinhedos espanhóis Gemma Mollevi preconiza a possibilidade de plantar as vinhas mais rentes ao solo, de forma a melhor preservar a umidade e proteger as uvas dos raios solares.
Os produtores australianos de todos os tipos de lavoura se mostram bastante preocupados com o aumento das temperaturas numa região já hoje bastante quente. Um ou dois graus a mais parecem pouco mas afetam bastante a produção agrícola de um modo geral. “Com relação ao aquecimento global, a indústria do vinho é o canário na mina de carvão, porque é um dos indicadores mais sensíveis da mudança climática”, afirma o viticultor e autor de livros sobre o cultivo da uva Richard Smart. O autor teme também pela queda de qualidade dos vinhos da Austrália.
O que se pode prever é que regiões que produzem os chamados “vinhos de terroir”, zonas tradicionais em que as castas se adaptaram lentamente de modo a se encontrar uma maior afinidade entre a terra e o “climat”, sofrerão mais, pois o estilo de seus vinhos – consagrados internacionalmente – sem dúvida mudará. Como será um Gevrey Chambertin do século XXII? Será ele ainda elaborado com a uva Pinot Noir? Essas e outras questões se colocam agora para a reflexão dos amantes do vinho. E o nosso champagne, que deve parte de seu caráter às frias temperaturas dessa região setentrional da França? Seu clima frio produz vinhos-base ásperos e leves, ideais para a elaboração desse espumante. Associado a isso, o solo calcário permite que os aromas se desenvolvam longamente durante o período de envelhecimento do vinho.
A elevação da temperatura durante períodos de calor cada vez mais longos sem dúvida modificarão seriamente a acidez e o teor de açúcar das uvas, afetando decisivamente as características do vinho e seu potencial de envelhecimento. No ano de 2003, com seu verão extremamente quente, a Europa conheceu as temperaturas mais altas dos últimos 130 anos, ou seja, desde quando se iniciou o recenseamento das temperaturas no continente. A colheita foi feita sob temperaturas superiores a 35 ºC, chegando mesmo aos 40 ºC por um período de duas semanas!
Além disso, choveu muito pouco, agravando o processo de ressecamento prematuro das uvas e aumentando significativamente o teor de açúcar dos bagos. Um bom champagne precisa ter um bom nível de acidez para que possa envelhecer de forma equilibrada e desenvolver seus aromas. Para tentar driblar o problema, a colheita em Champagne foi feita o mais cedo possível, em final de agosto, ou seja, três semanas antes da época habitual. Como resultado se obteve uma produção 50% menor do que nas safras normais.
As temperaturas altíssimas da canícula de 2003 não chegaram a se repetir – de forma tão intensa – nos anos seguintes, pelo menos até 2007, quando escrevo estas linhas, mas as temperaturas têm estado mais altas do que o normal. Tudo leva a crer que estamos entrando num período de aquecimento climático global de longo prazo. Se isso se confirmar, é mais do que certo que a qualidade e o sabor do champagne vão ser afetados.
O físico e estudioso do champagne francês Gérard Liger-Belair, em sua interessantíssima obra “Effervescence! La Science du Champagne”, afirma: “Cientistas da Universidade de Oxford lançaram a hipótese de que, se a mudança climática se mantiver, as cepas atualmente cultivadas sob o doce clima da Gironda (Bordeaux) poderão se aclimatar daqui a até 50 anos na Grã-Bretanha, onde a vinha tem dificuldade em se implantar. Certas regiões do sul da Inglaterra possuem um bom solo calcário (…) comparável ao da região de Champagne. Não é portanto ilusório assistir à emergência dos vinhos espumantes na Grã-Bretanha” (pág. 198).
Só nos resta torcer para que as projeções mais pessimistas não se realizem e que possamos continuar desfrutando, ainda por muitos e muitos anos, da elegância e do frescor do incomparável vinho espumante da Champagne.

 AGUINALDO ZÁCKIA ALBERT

Publicado na edição #36 / 2008 da revista ADEGA.

 

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